das horas que custam o viver




ontem foi a primeira vez que eu chorei por você. a primeira vez depois desses pequenos longos meses que se passaram. doeu como quem bate o dedinho na quina do móvel durante a madrugada. doeu quietinho e frio enquanto eu tentava pegar no sono. ontem foi a primeira vez que me dei conta de que eu não lembro mais do timbre da sua voz. não consigo me lembrar de como eram a cor dos seus olhos quando você acordava. não me lembro do seu cheiro, do calor do seu toque nem da forma como você sentava no sofá pra comer. eu realmente não me lembro dessas coisas que eu amava em você. mas eu chorei. chorei porque entrei naquela loja de coisas para casa e lembrei da gente escolhendo cada utensílio. eu devo ter um problema muito sério por chorar só de lembrar de você segurando as panelas e vendo qual era a melhor para você cozinhar. é estranho chorar por um momento desses e nem sequer lembrar do gosto da sua comida. chorei porque lembrei da gente correndo naqueles corredores da loja procurando gastar toda aquela grana que ganhamos e a gente já não sabia mais o que comprar. aquilo ali era o que eu queria, sabe? essas coisas pequenas, tão bobas, mas tão verdadeiras. chorei por lembrar que eu não consegui fazer você ficar. não é uma culpa que dói, mas às vezes aparece quando eu preciso de forças pra continuar os dias. e me derruba. e me faz pensar em desistir. "quem vê pensa que você tem uma vida difícil", um guri me disse dia desses depois de ficar algumas horas ao meu lado. as pessoas não sabem da missa um terço, não é? que dói. que a vida dói demais para alguns. que não é frescura, que não é drama, que não é nada disso. dói. e é difícil. é difícil te ver se transformar na mesma coisa que meu pai foi pra mim. é difícil não se enquadrar, não ser aceita, não ter com quem conversar sobre as coisas que te machucam. é difícil as pessoas acharem que você é só um poço de besteiras, camas e outros corpos que não o teu. eu sou tão mais que isso, sabe? é difícil silenciar minhas dores e ter que aguentar o mundo todo falando das suas, mas quando chega a minha vez, ninguém prestar atenção. eu chorei porque lembrei que, toda pessoa que tentei gostar depois de você, me machucou ainda mais. chorei porque ninguém tem noção do quanto é difícil continuar. é difícil pra caralho. é difícil quando tem uma caralhada de gente pra julgar quem eu sou ao invés de me perguntar o que eu quero de verdade. eu ainda sou a mesma. eu jurei que seria fria, que não deixaria ninguém chegar perto de mim novamente, mas eu tava errada. e eu chorei porque você vivia me dizendo que eu era errada e talvez eu fosse, ou talvez eu estava na hora certa no meu tempo errado. chorei porque você me dói quando aparece nos meus sonhos ou quando alguém ainda cisma em perguntar como você tá. porra, e eu? eu chorei mais por mim do que por você, eu acho. dessa pessoa que tento ser e não consigo. essa pessoa capaz de esquecer qualquer dor para continuar. mas a verdade é que eu ainda sou a mesma. a mesma idiota apaixonada por qualquer sorriso besta que me dão. a mesma idiota que ainda sente arrepios na mão quando alguém me abraça ou quando alguém segura as minhas mãos. eu chorei porque lembrei do quanto você desgraçou a minha vida e em como eu sou idiota em ainda te perdoar. eu sou idiota em ainda acreditar que as pessoas se aproximam de mim porque eu sou alguém que vale a pena.

mas a verdade é que, no fundo, eu realmente não valho nada.

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