uma década resumida a ódio



Eu odeio sonhar com você.

Sei que odiar é algo muito forte, mas eu realmente odeio sonhar com você. Eu tenho esse problema sério com sonhos: todo mundo que passa pela minha cabeça durante essas noites conturbadas, eu não consigo esquecer durante o dia.

E eu odeio lembrar que você existe.

Não é tão simples quanto parece ser, mas toda vez que sonho com você eu me lembro de tudo até então. Lembro do quanto esperei pacientemente as ondas turbulentas dentro do teu peito passarem. Lembro que ajudei pacientemente a tentar fazer com que você preenchesse as lacunas que estavam abertas em seu coração.

Também odeio saber que esperei você passar pela nuvem nebulosa de tristezas, melancolias, duvidas e mudanças constantes de humor.

Tentei entender cada ponto existente e possivelmente criado dentro da sua cabeça. Mantive a paciência e segurei sua mão, em todos os encontros e desencontros que a vida lhe causou. Eu me perguntava todos os dias se eu tinha conseguido trazer paz para a tua alma, esperança para teus dias e um pouco de amor para seu coração.

A verdade é que eu odeio saber que você fez pouco caso com todas essas minhas tentativas.

E é nesse exato momento que lembro daquele dia no Parque da Luz que você chorou sem controle e disse “te amo, pequena”. Foi ali que descobri que talvez eu realmente morava em uma parte dentro do seu peito, foi o dia em que eu soube que estava tudo bem e que qualquer coisa a partir dali, poderia ser superada, melhorada e absorvida.

Mas eu odeio essa parte de ter acreditado tanto em você e na sua melhora.

Eu estava crente que nada no mundo poderia mudar minha concepção de que a vida tinha sido tão difícil até então, porque o melhor estaria por vir e naquele instante, o melhor estava dentro de nós e mais coisas boas aconteceriam. Eu acreditava fielmente de que a nossa história finalmente pudesse ser o que a gente tinha sonhado. Que nada nos faltaria. Que o amor seria capaz de qualquer coisa porque eu tinha você e você tinha a mim. Eu estava tão crente, que esqueci de reparar nos pequenos detalhes que faziam a total diferença.

Eu odeio ter demorado tanto tempo pra perceber do quanto a vida é fraudulenta.

Estava tão cega pelo que éramos e muito mais pelo que poderíamos nos tornar nos próximos anos, que esqueci de perceber que você não sorria mais quando eu entrava pela porta. Que a intensidade do amor tinha mudado, junto com as palavras carinhosas que tanto proferíamos um ao outro alguns poucos meses antes. Que a forma como você me evitava todos os dias era só um aviso de como poderia ser se eu não tivesse surtado aquele dia.

Por isso que odeio sonhar com você. Porque eu me odeio por não ter visto que já tinha acabado no dia anterior do nosso casamento. Que você já tinha abandonado tudo, o amor, o querer ver bem, o respeito, carinho, simplicidade e o futuro. Porque você estava bem e era só isso que importava.

Odeio saber que tínhamos um fim, dentro de um presente, que fazia nosso futuro jamais existir. Odeio ter consciência de esperar e pedir, incessantemente, para que as coisas fossem melhores e prosperassem como flores em uma primavera. Mas tem coisas, que não são pra ser.

E odeio, por fim, saber que nós não éramos, apesar dos esforços, não éramos.

Nunca seríamos.

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