daquele corpo tão quentinho




Eu tomei quatro remédios pra ansiedade naquela sexta-feira. Era como se o clima de São Paulo, que nunca se decide qual de fato deve ser por um dia inteiro, tivesse inundando todo o meu coração. Em uma hora eu não pensava, enquanto nos segundos seguintes eu já estava com o suor correndo frio pela minha testa de tanto pensar. O pessoal do trabalho começou a tirar sarro de tanto que eu tirava e colocava a blusa de frio. "Ana, dá pra se decidir?" Não conseguia. Não conseguia me decidir se estava angustiada, ansiosa ou com receio. Talvez fosse um misto de tudo. Um receio de ter marcado de encontrá-lo e ele não aparecer. Uma ansiedade para saber como seria: se ele sorriria ou se sairia correndo antes mesmo do "oi". Angústia de nunca chegar a hora. Por que o tempo maltrata tanto as pessoas que esperam por algo? Eu queria saber responder, mas eu não sei de fato o motivo. Quem lê imagina ser exagero. Mas era ele. A única pessoa que eu deixei pular o muro de dificuldades que levantei em torno do meu coração. Ele e aqueles cabelos escuros, perfumado como quem acabara de sair do banho. Queria conseguir explicar com palavras melhores do que estas, mas o que consigo pensar é que ele me causou um choque térmico. Aquele corpo quente no meu coração frio. Nessa minha cabeça tão cheia de palavras de sofrimento, que por hora lhe afastaram. Ele é assim. Ele traz com ele uma paz que eu nem sei como consegue, mas consegue. Ele com aquele beijo que acaba com todas as minhas dores, além de todas as mais de trezentas ardências, mágoas, tonturas, atrofias ou qualquer sofrimento da terra que eu já tenha sofrido. "Eu sou um docinho", ele diz. E é. Eu deveria dizer que ele está errado, mas ele está certo. Ele tem um jeito doce. Daquele que me deixa com o pensamento chuviscado, porque eu realmente não sei se tudo isso faz sentido ou se é apenas uma velha sensação passada e criada pela minha memória cansada das tragédias contemporâneas. Mas não são. É ele. Esse puta jeito que ele tem, de me fazer soltar o cabelo e os dedos da mão. De me fazer sorrir ao acordar de manhã. Porque ele faz eu me desfazer de mim. De fato. Ele. Exatamente ele com aquele jeito de me balançar sorrindo com piadas bobas. E olha que eu nunca gostei de sonhar e crer em pessoas. Mas ele me fez um auê naquela madrugada e me beijou quando eu estava cansada. Droga, viu? Da minha ilha emancipada, cercada de sombra e mar revolto, veio ele, que me invade, e faz um país. Não foi uma luta justa, eu lá me esforçando pra ser dura na queda e ele veio com aquele corpo quentinho pra cima de mim. Ele consegue. Não sei como, mas consegue. Consegue me mostrar que eu posso ser quem eu quiser. Que eu posso abraçar sem me sentir culpada. Que eu posso beijar e ser piegas. Que eu posso entregar tudo o que eu tenho, mesmo não tendo muito a oferecer. Ele me ensinou que dá pra gostar, amar e sentir saudade de alguém sem doer. E eu odeio admitir, mas que saudade que me deu de dormir te abraçando.

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