todo fim é bom



Esses dias, me dei conta de que passou um ano. Um ano do meu último fim. Existe um mito de que o fim acaba com todas as possibilidades. De que a gente vai ficar petrificado com o que poderia ter sido. Do porque ter acabado. Não preciso nem ressaltar que tal mito foi minha verdade durante algum tempo. Eu vivia esse mito como quem vive um medo de morrer.

O fim era a morte, na minha cabeça.

Mas quando a gente está logo ali, no comecinho deste fim, não tomamos conhecimento de que ele, muitas vezes, é libertador. O fim reafirma que a gente precisa seguir em frente. Nossa, como precisamos seguir em frente. Mudar de endereço. Matricular-se em algum curso. Conhecer gente nova. Sair para outros lugares e aprender a decorar outros nomes de ruas e bares e restaurantes. E nesse começo de mudanças, a gente percebe que precisamos aprender outras funções para o nosso coração além de permiti-lo apenas sentir.

O fim muda o estado das coisas.

É como se a gente aprendesse na marra alguns ensinamentos. Algo como: “você precisa entender porque está passando por isso. E por isso eu sou bom: porque você vai aprender a entender”. Ele vai te ensinar a entender. Vai te permitir não voltar atrás. Vai te mostrar que é possível cortar laços. Vai te ensinar que algumas coisas são necessárias, outras não.

​​O fim de mostra que o seu momento é hoje.

Antes do fim, a gente vive presa ao passado. As amarras do que vivemos. Também ficamos com o pensamento no amanhã. Que a gente não vai aguentar se levantar amanhã. Mas, calma. Nós vamos. Porque temos muito o que viver no aqui e no agora. Clichê, eu sei. Mas hoje tem muita coisa pra se fazer. Foi assim que eu aprendi a superar o fim: aceitando viver um dia por vez.

O fim não existe pra nos colocar sobre uma cama e desejar que a vida termine.

É claro que nos primeiros dias, é difícil. Meu deus, é difícil para um caralho imenso. É uma faca quente entrando frequentemente dentro do seu coração. Mas aí você percebe que é no fim que a vida se inicia. A gente ainda chora muito. A gente não se conforma. A gente vai atrás da dor. A gente fica remoendo pra saber onde foi que erramos. Se é que erramos. Se é que não era o momento errado. Eu sei que dói. Dói demais. Parece que o peito vai explodir.

O fim te permite deixar as coisas para trás.

Você quer deletar as mensagens, fotos, sensações, cheiros, gostos e tudo. Eu sei, também quis – e fiz. Mas, olha... pra quem está aqui do outro lado, apagar ajuda muito. Há quem diga que bloquear qualquer lembrança só desperta ainda mais dor. É você lutando contra você, mas se você está disposto a lutar contra si próprio, é uma forma de deixar ir. É permitir que seu corpo descanse um pouco, inclusive do fim. E foi só assim que eu consegui aceitar. Foi só assim que consegui continuar: deletendo da minha memória toda e qualquer lembrança, inclusive as boas. Não é um decreto: tem gente que consegue, tem gente que não. Eu só funciono assim. Foi só assim que consegui me permitir.

O fim costura na gente outras possibilidades – e caminhos.

É como se ele dissesse: “e se você tentar esse caminho agora?” Porque a gente precisa de outros caminhos. A gente precisa entender o amor de forma diferente. A gente precisa experimentar, de novo, a sensação de quando você está gostando de alguém e aquilo faz suas pernas bambearem, o coração palpitar, o suor virar parte do seu sangue? A vida é sobre os ciclos e sobre o que podemos fazer com eles e dentro deles. 

O fim é um ciclo que precisamos navegar por ele. 

Aproveitá-lo. Olhar no olho. Fazer perguntas. Tirar o melhor dele. Refletir sobre tudo até aqui. Mas sem dor. Porque o fim traz muita coisa também. Autoconsciência de si, do mundo. Entendimento sobre relações, o seu próprio estar nas relações, como seguir menos doloroso, até porque sempre vai doer um pouquinho. Quer dizer, nosso coração sempre fica apertado, machucado e cheio de remendo, já que o tombo foi feio. A gente até pode seguir com o coração gelado, mas temos que seguir. Continuar. Correr um pouco dessa estrada que é a reconstrução. Andar e continuar andando nessa estrada que é olhar-para-si com mais disposição. Até começarmos a correr a partir do ponto do fim para chegar do outro lado, o recomeço. É como uma corrida ao contrário. Contra seu próprio fim.

E quando você começa a correr, não existe cansaço para si mesmo. O fim não permitirá mais isso. Não se trata de fugir. Trata-se de deixar para traz o lugar que você foi deixado. Trata-se de aprender a olhar para frente, para os lados, ao redor, ao céu, para si mesmo como o centro do universo, repetindo: “eu ainda estou aqui”. Porque a gente continua aqui. Mesmo com tanta coisa ruim. Mesmo a memória sendo traiçoeira e te fazer lembrar daquele sorriso gostoso ou daquele abraço apertado que era o teu porto-seguro. Mas isso passa. E outras coisas aparecem.

Depois do fim, você se dá conta.

​Sim, eu dei conta. 365 dias e 8760 horas depois, eu dei conta. Muito mais sozinha do que tinha imaginado. E muito melhor também. Vou guardar minha modéstia para outras coisas e me permitir o devido orgulho: Fui foda. Fiz bonito, cresci, corri, conectei, me escutei, descobri, voltei atrás, entreguei, me esforcei, escolhi – pela primeira vez de verdade, olhei meu corpo, burlei o tempo, enfrentei o pior, saí de labirintos e, com sincera labirintite, entrei em outros, amei muito, e por amor quebrei espelhos, ralei joelhos, inventei novos limites, chorei – valendo. Lavei a alma. Sujei de novo. E nessa loucura toda: Eu dei conta. “Sozinha”.

E aí, entram aspas. Eu não gosto muito de aspas. Do meio que. Não é bem isso. Se não é pra dizer a que veio, duro e direto, nem derrama pro papel. Mas enfim, as aspas. Porque se de um lado foi sim, muito sozinha, de outro foi muito bem acompanhada. E esse é o ponto dois. Percebi, naquele mesmo momento silencioso, que em mais uma ironia da vida, ou golpe de sorte, ou evolução batalhada, justamente nesse ano uma rede de coisas  incríveis se formou ao alcance dos meus abraços. Por todos os lados. De todas as partes. E eu me permiti começar de novo. ​Verbalizar a grandeza. Aceitar as falhas, com amor. Agradecer, sempre que der.

Porque, no fim das contas, o fim é só apenas um recomeço.

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