Sobre ninguém sair ileso de ninguém



Eu sempre tive uma visão cética sobre as relações sociais: a gente pode, sim, esquecer uma pessoa; seja ela que nos magoou, quem a gente mais amou ou até quem odiamos. Acreditei fielmente nisto, principalmente de pessoas que me fizeram mal.

Mas eu não imaginava que grandes amores são quase impossíveis de se esquecer. A gente não vai esquecer o cara que nos entregamos pura e verdadeiramente ao longo de uma década, por exemplo. Não dá pra esquecer a mulher com quem passamos 40 anos de casado. Também não dá pra acordar e esquecer aquela paixonite de alguns dias, mas que durou o tempo certo no seu coração. É sério, simplesmente não dá.

Não é uma coisa nostálgica, sabe? É uma coisa estranha: você está ouvindo uma música no aleatório do Spotify e do nada aparece aquela banda que ele te apresentou e você odiava. Mas você lembrou que foi ele que te apresentou. Lembrou que ficou duas horas em pé assistindo o show dessa banda que você detestava. Lembrou que ficou puta da vida porque não aguentava mais ouvir essa música no carro enquanto iam pro cinema, pro almoço na casa dos seus pais ou pra algum evento chato que você fazia questão de não querer ir.

Você lembra do seu amor que você deixou pra trás quando o novo funcionário da empresa usa o mesmo perfume dele. Você até tenta não inalar esse cheiro, mas é igual. É o mesmo. A aparência física é completamente errada e não lembra em nada, mas ele usa o mesmo estilo de camisa xadrez toda amassada.

E aí eu te pergunto: como não lembrar?

Não é uma saudade. Nem uma tristeza. É só uma lembrança da pessoa que conviveu anos com você e que simplesmente você tenta diariamente apagar da mente. É uma luta constante, sabe? Funciona nos primeiros dias, nos primeiros meses e no primeiro ano. A imagem do rosto vai se apagando. Você não lembra mais de como era o toque e o tom da voz. Você se quer lembra do que era dito. Essas coisas vão se esvaecendo com o passar do tempo. Juro, isso passa. Assim como tudo na vida. Mas você vai se lembrar de que essa pessoa existiu na tua rotina. Talvez a raiva do início até cesse e a tempestade que era o seu coração começa a se tornar em um sábado de sol.

As coisas vão se acalmando. O que era dor deixou uma ferida que cicatriza. O que era mágoa se dissipa e se transforma em motivação para fazer diferente, pra encontrar o novo, pra novas chances e novos recomeços. A gente para pra pensar e percebe que está onde deveria estar. A gente começa a perceber que dá pra continuar cada vez mais. Que há motivos pra isso.

É claro que nem sempre o tempo vai ser bom e colocará as coisas no lugar na hora que quisermos. Mas ele coloca. A gente consegue superar, mesmo com essas pequenas lembranças no cotidiano.

Porque a vida é isso: cair, levantar e continuar, sabendo que "ninguém sai ileso de ninguém".

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